ANTIGO x NOVO HAMBURGO:
O ESPAÇO DE FLUXOS DA CIDADE

     A sociedade moderna passa por constantes transformações econômicas, sociais, tecnológicas e culturais. O advento da tecnologia modifica as relações humanas, transformando principalmente nossas formas de comunicação e interação social. Estas transformações não estão restritas ás relações sociais, mas também atingem a arquitetura urbana e as formas de interação dos seres humanos com o espaço físico que ele ocupa ou com o qual se relaciona.

     Magnani (2002) coloca que parcerias entre o poder público e o setor privado, com vistas a projetos de renovação urbana, buscam a revitalização de espaços degradados e sua recuperação, possibilitando novas formas de uso com o objetivo de atrair novos moradores, usuários e frequentadores para tais locais. Este processo é conhecido como gentrification (enobrecimento, requalificação) e tem o objetivo de adequar locais antigos, mal cuidados ou abandonados, inaugurando a modalidade de “consumo de lugar”, que nada mais é que transformá-los em locais de consumo.

     Para Castells (2002), a interação entre a nova tecnologia da informação e os processos atuais de transformação social têm um grande impacto nas cidades e no espaço. O autor coloca que, de um lado, o layout da forma urbana passa por grande transformação, mas que tal transformação não segue um padrão único, uma vez que apresenta variação considerável dependentes das características dos contextos históricos, territoriais e institucionais. Porém, de outro lado, a ênfase na interatividade entre os lugares rompe os padrões espaciais de comportamento, formando a base para o surgimento de um novo tipo de espaço, o espaço de fluxos.

      Percebe-se então, que a tecnologia e a digitalização transformaram as grandes metrópoles em cidades globais, e essa “informação” que torna o ambiente online, não enfraquece a cidade, ao contrário, elas buscam investimentos para criar uma marca local, para tornar as cidades mais competitivas, atraindo uma infraestrutura social para a conectividade global, e isso molda o estilo de vida que fica registrado da paisagem da cidade. Castells (2002) ainda coloca que a sociedade é construída em torno de fluxos, de capital, da informação, de tecnologia, de interação organizacional, de imagens, sons e símbolos. Para Castells (2002, p. 501) “os fluxos são a expressão dos processos que dominam nossa vida econômica, política e simbólica”. Para o autor, o espaço de fluxos está relacionado às práticas sociais de tempo compartilhado, funcionando por meio de fluxos.

      Ao estudar os conceitos de Castells na obra A Sociedade em Rede, entende-se que para o mesmo, a cidade global apresenta-se como local formado por camadas sucessivas muitas vezes inseparáveis, totalmente ligadas entre si, o espaço dos lugares e o espaço dos fluxos de informação. Entende-se ainda que, em toda cidade, podem existir espaços geográficos constituídos por nós das diversas redes de forma a transmitir ou propiciar a comunicação. É desta forma que o autor defende que se formam os grandes polos de desenvolvimento econômico, cultural e social da humanidade, na contemporaneidade.

     De acordo com Geertz (1997), um etnógrafo que tenta descobrir o que é uma pessoa na visão de algum grupo, precisa entender como essa pessoa vive e em quais veículos essa maneira de viver se manifesta, observando que certamente as casas e a arquitetura tramitem esse modo de viver das pessoas. O autor destaca que tais indicadores e símbolos, tais transmissores de significado, desempenham um papel na vida de uma sociedade, ou em algum setor da sociedade, e é isso que lhes permite existir. Pode-se dizer que as construções são símbolos que transmitem significado, refletem a sociedade que está ao seu redor e também preservam sua memória, tornando-se fundamental conhecer mais profundamente da trajetória desse símbolo para entender sua importância e papel na forma de vida da sociedade.

Neste contexto, Castells (2002) destaca que há uma transição vivida pelas sociedades em geral, de uma era industrial para uma era informacional, na qual os espaços estão sendo transformados pela informação, mudando a forma como a sociedade interage e se comunica. O autor ainda coloca que:



Quanto mais as sociedades tentam recuperar sua identidade além da lógica global do poder não controlado dos fluxos, mais precisam de uma arquitetura que exponha sua realidade sem imitar a beleza de um repertório espacial trans-histórico. Mas, ao mesmo tempo, a arquitetura excessivamente significativa que tenta passar uma mensagem muito definida ou expressar os códigos de uma determinada cultura direta né uma forma primitiva demais para poder penetrar no nosso saturado imaginário visual. O significado de suas mensagens será perdido na cultura do surfing que caracteriza nosso comportamento simbólico. É por isso que, paradoxalmente, a arquitetura que parece mais repleta de significado nas sociedades moldadas pela lógica do espaço de fluxos é o que chamo de “a arquitetura da nudez”. Ou seja, a arquitetura cujas formas são tão neutras, tão puras, tão diáfamas, que não pretendem dizer nada. E ao nada dizer, elas comparam a experiência com a solitude do espaço de fluxos. Sua mensagem é o silêncio. (CASTELLS, 2002, p.508)

     A primeira etapa deste trabalho se deu através da seleção de 10 pontos históricos da cidade de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul. Depois, foi realizada uma pesquisa a respeito das construções selecionadas, a fim de localizar imagens antigas e um breve contexto histórico a respeito de cada uma. Com essas informações em mãos, foi traçado um itinerário com todos os endereços das construções para, então, fotografá-las novamente.   


      Para cada local foi escolhida uma imagem antiga que foi utilizada como referência para a produção da imagem atual. Os locais foram fotografados levando em consideração o mesmo ângulo e enquadramento das imagens antigas, porém em um contexto atual. Depois, as imagens foram selecionadas e editadas através de softwares próprios para este fim. Para preservar os registros, foram trabalhadas na edição apenas as cores, contrastes, sombras, etc. Nenhum tipo de manipulação como retirada de fios, pedestres, árvores ou placas foi realizada.

IMAGENS ANTIGAS x IMAGENS ATUAIS

     Em seguida, foi produzido um trabalho de colagem, que consistiu no recorte das construções nas fotografias antigas e aplicação da imagem do imóvel em cima da imagem atual, como uma fusão entre o antigo e o atual.

CASA HEXSEL KUNZ

Este imóvel, a saber, foi construído por volta de 1860 pela família Hoffmann (na litografia de Canstatt de 1865, ele já aparece) de Hamburgo Velho. Essa família, segundo consta nos registros da comunidade evangélica, foi uma das famílias imigrantes nos primórdios da ocupação de Hamburgo Velho. Os Hoffmann mantiveram no andar de baixo da residência, uma fábrica de sabão (Seifenfabrik), conforme aparece em documento de 1901. Segundo a tradição oral, no início da década de 1870, o prédio foi usado como quartel pelo Coronel Genuíno Sampaio, na primeira investida contra os Muckers. Fonte: https://www.arfmedia.com/hamburgo-velho/casa-hexsel-kunz-hamburgo-velho.htm

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CASA DIETSCHI OU CASA DA LIRA

A casa Dietschi foi construída entre 1898 e 1900, projeto e execução de Hugo Lipp. Originalmente destinada para residência de Samuel Dietschi e sua esposa Frida Hoffmann, mais tarde abrigou, também, uma escola de música. Foi escola e pensionato para jovens estudantes que moravam com o casal e seu único filho. O dormitório dos alunos ficava no sótão. Os alunos maiores tinham seu dormitório noutra casa, nos fundos (hoje Rua Mauá), onde também funcionavam as salas de aula. Fonte: https://www.arfmedia.com/hamburgo-velho/casa-da-lira-hamburgo-velho.htm

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CASA ENGEL, CASA DAUDT OU, AINDA, CASA AMARELA

A construção, datada de 1895, está localizada na rua General Osório, no coração do Corredor Cultural de Hamburgo Velho.

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CASA NONÔ

A Casa Nonô foi inaugurada em 1945 na esquina das ruas Pedro Adams Filho com Rua Lima e Silva e comercializava itens de armarinho, chapéus, artigos para homens, miudezas, etc.

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CASA SCHMITT PRESSER

A casa de Johann Peter Schmitt foi construída na primeira metade do século XIX, como residência e casa de comércio. Constitui-se num dos mais antigos exemplares, no Rio Grande do Sul, de arquitetura de enxaimel, característica das áreas de imigração germânica. Fonte: https://www.arfmedia.com/hamburgo-velho/schmitt-presser-hamburgo-velho.htm

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FUNDAÇÃO SCHEFFEL

O imóvel, que hoje abriga a fundacao Ernesto Frederico Scheffel, foi construído em 1890, por Adão Adolfo Schmitt, filho mais moço do imigrante João Pedro Schmitt – o vendeiro que teve sua casa enxaimel tombada como patrimônio histórico nacional. A casa foi construída a partir de um projeto do próprio Adão Adolfo. Os construtores foram os irmãos Lipp, que não fazia muito haviam chegado da Europa como imigrantes. Fonte: https://www.arfmedia.com/hamburgo-velho/fundacao-scheffel-hamburgo-velho.htm

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IGREJA CATÓLICA NOSSA SENHORA DA PIEDADE

Como o número de católicos em Hamburgo Velho, inicialmente era reduzido, apenas em 1851 foi construída a Capela Nossa Senhora da Piedade, que era utilizada como oratório pelos moradores. Fonte: https://www.arfmedia.com/hamburgo-velho/igreja-nossa-senhora-piedade-hamburgo-velho.htm

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LAR DA MENINA

As atividades no prédio iniciaram no final do século XIX, em 1886, quando Jacob Kroeff vendeu sua propriedade para as irmãs Lina e Amália Engel para a estruturação de uma escola internato feminino voltado a moças evangélicas. Porém, na década de 50 até o final dos anos 60, o local foi um importante ativo da indústria têxtil abrigando a Fábrica de Tecidos Flori. Apenas na década de 70 o prédio se torna, oficialmente, Lar da Menina. No final da década de 90, um incêndio destruiu boa parte do prédio, que durante anos ficou abandonado. Em 2008 foi tombado e adquirido pela Prefeitura de Novo Hamburgo. Fonte: https://www.novohamburgo.rs.gov.br/noticia/partes-originais-predio-seculo-xix-preservados-lar-menina

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PADARIA REISS

O projeto da Padaria Reiss é de Ernst Seubert. Compõe-se de dois módulos integrados entre si: a área comercial e a moradia (na frente) e nos fundos, o setor de produção. Em 1921, o casal Reiss viajou para a Alemanha, ocasião em que compraram todo equipamento para a nova padaria, incluindo um forno à vapor, provavelmente, o primeiro do gênero no Rio Grande do Sul. A nova padaria foi inaugurada em 1923, toda mecanizada, a mais moderna padaria da região. Fonte: https://www.arfmedia.com/hamburgo-velho/padaria-reiss-hamburgo-velho.htm

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SALÃO SCHMITT STREB

A primeira versão do prédio foi enxaimel. Nele foi pintado o quadro “Kerb em Novo Hamburgo”, pelo artista Pedro Weingärtner (1892).

O prédio antigo foi substituído pelo atual, no final da década de 1890, projetado pelos arquitetos Lipp & Aichinger. Seu proprietário foi Willy Schmitt. Foi usado como salão de baile e casa de comércio. Em 1947, foi adquirido pela família Streb que manteve o uso comercial. E o salão de baile. Fonte: https://www.arfmedia.com/hamburgo-velho/salao-schmitt-streb-hamburgo-velho.htm

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    Diante do exposto pelo autor e relacionando tais contextos com a localidade estudada e fotografada, identifica-se um processo de transformação do local, antes e por vezes abandonado ou concentrando apenas residências e, após, concentrando espaços culturais específicos, misturados a residências e comércios. Nota-se que a arquitetura do local começa a ter as residências e prédios antigos restaurados, mantendo em sua maioria, as características das construções originais.

    Percebe-se que a arquitetura do local passa a comunicar-se com a sociedade local, expressando-se através de símbolos arquitetônicos e da forma de organização econômica dos comércios que ali se concentram, movimentando-se para um espaço que concentra gastronomia, arte, bares, pequenos escritórios e residências.

    Nesta linha, Roy (2010) aborda que uma cidade é uma cultura, e se torna tão ambígua quanto a própria cultura. Para o autor, a cidade coloca-se como contexto (toda cidade é um contexto, abrangendo seus confins) que foi e é deliberadamente articulado, precipitando uma necessidade que se converte na própria necessidade da civilização, ou seja, a cidade é parte de um contexto cultura que está ligada aos indivíduos que nela habitam.

    Ao abordar a relação do espaço de fluxo com o lugar, Castells (2002) menciona:



O espaço de fluxo não permeia toda a esfera da experiência humana na sociedade em rede. Sem dúvida, a grande maioria das pessoas nas sociedades tradicionais, bem como nas desenvolvidas vive em lugares e, portanto, percebe seu espaço com base no lugar. Um lugar é um local cuja forma, função e significado são independentes dentro das fronteiras da contigüidade física. (CASTELLS, 2002, p.512)

     Castells (2002) ainda defende que lugares não são necessariamente comunidades, embora possam contribuir para sua formação. Porém, a vida dos habitantes é marcada por suas características, portanto são, na verdade, lugares bons ou ruins dependendo do julgamento de valor do que seja uma boa vida. O autor destaca o bairro de Belleville em Paris, local no qual os moradores, sem se amarem e certamente sem serem amados pela polícia, construíram em toda a história um espaço interativo significativo, com uma diversidade de usos e ampla gama de funções e expressões. Eles mantem uma interação ativa com seu ambiente físico diário. Entre a casa e o mundo, há um lugar chamado Belleville.

    Diante disso, entende-se que no contexto do espaço de fluxos a arquitetura transmite a cultura de cada sociedade e torna-se um meio de transmissão de informações e comunicação entre as pessoas. A arquitetura que pode ser tão neutra ao ponto de não dizer nada, mas ao atuar no imaginário da sociedade, passa a dizer muito ou quase tudo.

    Ao analisar o contexto bibliográfico estudado para este trabalho, percebe-se que os autores defendem que há uma série de transformações sociais, econômicas e políticas, potencializadas pelas tecnologias de informação e comunicação, trazendo novas formas de interação da sociedade com os espaços urbanos. O advento da internet e das altas tecnologias tem acelerado o fluxo de informações e a forma de interação social entre as pessoas. As relações dos negócios com as mídias digitais aproximam as empresas dos seus clientes e da comunidade, encurtando as distâncias entre empresa x clientes e entre clientes x clientes.

REFERÊNCIAS


CASTELLS. Manuel. A Sociedade em rede. Vol.1 A Era da informação: Economia, sociedade e cultura. 6.ed. São Paulo: Paz e Terra. 2002

GEERTZ, Clifford. O Saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa Petrópolis, RJ. Vozes 1997

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas- - 1° ed., 13.reimpr. - Rio de Janeiro : LTC, 2008.

MAGNANI. Jose Guilherme Cantor. De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana – Revista Brasileira de Ciências sociais – vol.17, n° 49- junho/2002

WAGNER Roy. A Invenção da cultura – São Paulo: Cosac Naify, 2010


Trabalho final da disciplina de CULTURA E GLOBALIZAÇÃO 

Mestrado em Indústria Criativa Universidade Feevale

ALUNAS:

Fernanda Klauck

Graziela Silva

Lucimara Gomes

PROFESSORES:

Norberto Kuhn Junior

Margarete Fagundes Nunes